10/06/2014

Elle - Parte 1

Você pode me chamar de Elle.
Não é o meu nome, mas eu adoro Francês e usei por muito tempo este nome como um nome meu. Gosto da pronuncia, quando me chamam assim, sinto como se me degustassem.
Não é de livre escolha que me coloco aqui em palavras. Fui “aconselhada” a fazer isso, escrever sobre o que eu não consigo conversar.
A verdade é que não tenho problemas em dizer-me, apenas não me sinto confortável em falar sobre a minha vida com quem não sabe nada de mim e que insiste em me conhecer fazendo as perguntas erradas.
Eu me lembro de quando tudo isso começou, não foi aos 15 como imaginam, foi aos 9.
Eu tinha 9 anos quando olhei pela janela e vi um casal se beijando na rua.
Eles pareciam apaixonados, ele mais do que ela.
Estavam parados numa esquina esperando para cruzar a rua e se beijaram.
Eu fiquei olhando a expressão de satisfação deles, o sorriso dele, o sorriso dela, ambos sorriram ao mesmo tempo, no mesmo tempo.
Aqueles sorrisos que nasceram de um beijo me fez pensar no que ela estava sentindo naquele momento.
Fiquei com aquela cena na cabeça por muitos dias. Às vezes eu olhava pela janela procurando aquele casal, mas nunca mais os vi.
Eu queria saber como era, que gosto tinha, o que causava...
Tinha um garoto na minha sala. Um daqueles que finge ser maduro e entendido das coisas.
Ele brigava com os outros garotos, dizia que uma garota ou outra era namorada dele, mas nunca me olhava.
Não parecia que me desprezava, era mais como se sentisse medo ou receio de mim.
Um dia, na aula de educação física, estávamos brincando atrás do muro da quadra.
Sentados no chão, fingíamos que éramos casados.
Num momento, falei no ouvido dele que eu queria que ele me beijasse. Ele beijou, eu sorri e ele não. A expressão no olhar dele era diferente, ele não parecia realizado como o homem que vi pela janela um dia.
Eu me levantei e fui até o banheiro lavar minha boca. Eu sentia nojo do que tinha acontecido e jurei que nunca mais beijaria outra boca.

O tempo foi passando, eu fui crescendo e conhecendo outras pessoas.
Quanto eu tinha 14 anos, estava conversando com algumas amigas sobre os garotos da nossa escola. Ela pareciam empolgadas, decididas e cheias de vontade de descobrir alguma coisa.
Eu dizia que tudo aquilo era besteira e que eu não tinha interesse em fazer nem a metade do que elas alegremente juravam que fariam.
Nesse dia, quando cheguei em casa, vi um caminhão do outro lado da rua.
Havia um garoto sentado na calçada observando a mudança ser transferida do caminhão para a casa.
Antes de fechar a porta nossos olhares se cruzaram por um instante.
Ele era lindo!
Durante o fim de semana, eu o vi mais algumas vezes na calçada. Ele me olhava de um jeito curioso, como se ao mesmo tempo que sentisse vontade de falar comigo, sentisse também o desejo de me fazer desaparecer.
Na segunda feira lá estava ele, na minha escola, na minha sala.
Ele se sentou no fundo, fez amizade com outros garotos e depois de uma semana já parecia ser natural do lugar.

Em junho, logo antes das férias houve uma festa na escola.
Havia uma “barraca do beijo” e muitos garotos faziam fila para beijar uma das garotas que lá estavam. Uma moeda por um selinho.
Ele não entrou na fila, ficou sentado num degrau da escada observando tudo.
Eu me aproximei e disse oi.
Ele me ofereceu pipoca, eu recusei.
Perguntei se ele já tinha ido comprar um beijo.
Ele disse que aquilo era besteira. Não eram beijos.
Então eu perguntei o que ele considerava um beijo e ele me beijou.
Quando eu abri os olhos, ele estava sorrindo.
Por um instante eu pensei que fosse como aquele homem, mas não, ele estava rindo de mim.
Eu fiquei lá naquela escada observando enquanto ele se afastava com um riso maldoso até encontrar os outros garotos e contar que havia me beijado.
Naquele momento eu fiz mais uma jura.

Jurei que nunca mais seria enganada. Eu é que enganaria.
Eu já tinha visto nos filmes, já tinha escutado conversas... eu só precisava conquistá-los.
Mas os garotos da minha escola eram muito infantis, eles não sabiam como reagir, nem como reconhecer os sinais.

Viajei com a minha família nas férias.
Ficamos duas semanas numa casa de praia e eu conheci muita gente.
No meio de toda essa gente, conheci um homem. Eu tinha 14 anos, ele tinha 22.
Numa noite, todos estavam na varanda conversando sobre como fazia bem tirar férias e eu disse que ia dormir.
Da janela do meu quarto, vi aquele homem sentado na areia observando o mar.
Saí pela porta dos fundos e fui até ele.
Ele se assustou quando me viu, mas eu disse que estava apenas passeando já que as pessoas da minha casa estavam falando sobre coisas que eu não entendia.
Quando eu apontei para a varando iluminada, ele se sentiu mais confortável.
Falamos por alguns minutos sobre coisas sem sentido, mar, areia, lua, férias, tatuagens.
Eu disse que queria tatuar uma estrela, ele disse que era legal, mas que eu teria de esperar até fazer 18 anos. Eu disse que faltava pouco. Ele quis saber onde eu tatuaria, quando eu disse que seria no meu seio, ele se assustou.
Logo em seguida eu disse que gostava de tocar nos meus seios e sempre imaginei que uma estrela ficaria bonita perto do meu mamilo.
Ele parecia estar em choque e eu estava morrendo de medo de tudo aquilo, mas fingi que tudo era natural pra mim.
Dei um sorriso e perguntei se ele queria tocar nos meus seios.
Ele disse que não, que aquilo era errado e que era melhor ir embora.
Eu disse que ele estava perdendo uma boa oportunidade “meus seios são lindos”, eu disse com outro sorriso.
Ele os encarou e se levantou.
Quando ele se virou para ir embora, subi minha blusa e disse “olha”.
Ele olhou, ficou parado por um segundo e saiu.

Duas noites depois e o vi novamente.
Cheguei sorrindo e ele quase se levantou.
- Menos tímido hoje?
- Só não quero confusão.
- Que isso, relaxa, não vai acontecer nada.
- E o que é que você quer hoje?
- Tudo que você conseguir fazer.
Eu estava de vestido, tirei minha calcinha e mostrei pra ele.
Ele se levantou.
- Nossa, mas você é mesmo assustado.
- Não é isso.
- E é o que então.
- Você é muito nova.
- Olha, eu vou embora amanhã, você nunca mais vai me ver, eu não vou contar nada pra ninguém. Você não sente nem um pouquinho de vontade?
- Você não sabe o que está dizendo.
- É claro que eu sei.
Eu me deitei na areia e levantei meu vestido.
- Só quero que você me coma.

Depois das férias, quando voltamos pra casa, sonhei muitas vezes com aquela noite.
Mesmo passado alguns dias, eu ainda sentia ele dentro de mim.
Sentia a dor, o movimento, a respiração dele no meu pescoço, o peso do corpo dele no meu corpo.
Quanto mais eu pensava, mais estranha eu me sentia.
Parecia que algo tinha sido tirado de mim. Eu já não era mais nada!
Essa sensação me fez entender que eu precisava de mais. E todos os homens que eu via, me faziam imaginar como seria transar com eles.
Quando voltaram as aulas, eu quis contar para algumas amigas, mas elas falavam com tanta euforia sobre os beijos que haviam dado que eu acabei me sentido fora do contexto.

Já quase no fim do ano, uma semana antes do meu aniversario, um primo da minha mãe veio ficar uns dias na nossa casa.
Ele parecia ser muito diferente de todo mundo, sempre quieto, calado, observando tudo com curiosidade.
Um dia eu voltei da escola e só estava ele em casa, sentado assistindo tv.
Eu fui até o meu quarto e voltei. Perguntei se ele sabia que horas minha mãe voltava e ele disse que não.
Eu disse que ia tomar banho. Ele continuou assistindo tv.
Voltei para o meu quarto, tirei toda minha roupa e fui para a sala.
- Esqueci a toalha.
Quando ele me viu, nua passando pelo meio da sala, arregalou os olhos e olhou para todos os lados assustado.
- Que isso?
- Esqueci a toalha.
- Mas precisa vir assim?
- Que foi, nunca viu uma mulher nua?
Talvez não pessoalmente, eu pensei pela expressão dele.
Já que ele ficou estático, eu fui até o sofá e disse: “olha mais de perto, pode tocar se quiser”.
Ele tocou...
Ele tremia e eu achava aquilo muito interessante.
Então eu me ajoelhei e abri o zíper da calça dele.
Ele já estava muito excitado e não disse nada enquanto eu puxava o pênis dele pra fora.
Era tão lindo, duro, vibrando, aquela ponta vermelha.
Quando eu coloquei minha boca, ele gemeu.
Eu o chupei com vontade e ele pareceu gostar.
Colocou a mão na minha cabeça, segurou meu cabelo e acompanhou meus movimentos.
De repente eu senti um liquido quente ser lançado no céu da minha boca e ele relaxar.
O gosto era estranho e eu deixei escorrer para fora.
Me levantei, passei o dedo no queixo e saí.
Voltei com a toalha e disse que ia tomar banho.
Depois disso, todos os dias nós transávamos.
Fazíamos em todo lugar de todos os modos.
Um dia antes de ele voltar pra casa dele, ele entrou no meu quarto e disse que queria fazer algo novo.
Eu tirei toda minha roupa e ele me pediu para ficar de quarto sobre a cama.
Ele colocou os dedos dentro da boca e com eles molhados de saliva, passou no pênis.
Pediu pra eu não olhar e não gritar.
Então eu senti ele colocar no meu ânus.
Eu até pensei em pedir pra ele parar, mas em segundo tudo já estava dentro de mim.
A sensação não foi muito agradável, mas vê-lo excitado me excitava, então eu deixei.
Foram mais de duas semanas transando muito.

Às vezes eu pensava no que estava fazendo, pensava que era errado, me sentia culpada, mas me lembrava do prazer e tudo deixava de ser um erro.
Eu me apeguei a ideia de diversão e por todo tempo eu me enganava.
Era muito difícil encontrar alguém no meu colégio ou no meu bairro que não conhece meus pais. Era muito arriscado tentar qualquer coisa com os homens que poderiam acabar me denunciando.
Então um dia eu saí de casa dizendo que ia para a escola, peguei um ônibus e fui para o outro lado da cidade.
Fiquei quase uma hora parada numa praça observando as pessoas.
Vi algumas prostitutas paradas ali por perto, vi alguns cartões e pequenos folhetos colados nos telefones públicos e entendi que o que eu queria fazer tinha um preço e que isso facilitava tudo.
Quando eu pensei em sair dali, um homem sentou bem na minha frente e ficou me olhando.
No começo eu fiquei assustada, então ele quis saber o que eu fazia ali.
Eu disse que dependia de quem eu encontrasse.
Ele deu um sorriso malicioso e olhou para o lado.
- O que você faz?
- Tudo.
- Você chupa?
- Chupo.
- Engole?
- Não, só chupo com camisinha.
- Eu queria que você me chupasse.
- Me pague e eu chupo.
Ele me levou para um hotel, me entregou o dinheiro ainda na escada e disse que aquele era o lugar.
- Aqui, na escada?
- Só alugo o quarto se eu for transar.
Daí ele tirou o pênis para fora, colocou uma camisinha e eu chupei.
Era um pênis estranho, pequeno e aparentemente sofrido, mas mesmo assim eu chupei até ele gozar.
E aquilo se tornou rotina pra mim.
Pelo menos três vezes por semana eu ia até o outro lado da cidade para me prostituir.
Eu transava em qualquer lugar, fazia qualquer coisa que me pedissem e com quantos desse tempo.
Um dia eu fui até o hotel e perguntei quanto era pra alugar um quarto.
O recepcionista disse que não alugaria pra mim por eu ser menor de idade.
Eu disse que além do valor do quarto, daria 10% do que eu ganhasse pra ele.
Ele recusou.
Eu fiquei um tempo do lado de fora, parada na calçada.
Então ele saiu da guarita e me chamou.
- Alugo um quarto pra você só hoje, mas antes de ir embora quero que você dê um trato no meu amigo aqui.
Ele disse isso segurando o pênis e mesmo ele parecendo um homem nojento, eu topei.
Então eu subi para o quarto, troquei de roupa e desci.
Fui até a praça, esperei menos de dez minutos e o primeiro cliente apareceu.
Depois o segundo, o terceiro, o quarto...
O trato era simples, o preço é um só e dura até o cara gozar.
E eles gozavam muito rápido!
Nesse dia eu transei com 13 homens diferentes e ainda fiz um boquete no recepcionista do hotel.
Quando eu voltei pra casa, fiquei pensando que eu poderia fazer isso pelo resto da minha vida.
Era um jeito muito fácil de ganhar dinheiro.
O que era diversão acabou se tornando um “trabalho”.

Minha família me achava diferente, mas pensavam que eu estava apenas passando pelos processos do desenvolvimento de todo adolescente. Percebendo isso, fiz de tudo para que continuassem pensando assim.
Eu aprendi a dividir minha vida em duas, em casa, no colégio e como os amigos eu era uma, do outro lado da cidade eu era outra.
Por mais de um ano eu fiz isso, pelo menos três vezes por semana.
Os garotos da minha idade não me atraiam, tentavam me conquistar, mas logo se perdiam. Eu brincava com eles e eles não aguentavam.
Um dia eu estava sentada na calçada da minha casa pensando em toda a grana que eu já havia acumulado sem poder gastar e o meu vizinho do outro lado da rua veio falar comigo.
Disse que fazia muito tempo que não me via.
Eu disse que a ultima vez que nos falamos ele saiu rindo da minha cara.
Ele se desculpou por isso de um jeito que eu achei bonitinho e disse que era coisa de criança.
Por fim ele disse que queria me levar no cinema para que eu pudesse ter uma outra impressão quando lembrasse dele.
Eu aceitei, nem sei bem o motivo.
Foi um programa interessante, o filme foi legal e no fim da noite ele acabou me beijando novamente. Eu gostei, mas faltava alguma coisa.
Eu continuava me prostituindo no outro lado da cidade, mas do lado de cá acabei me envolvendo num relacionamento com ele.
Quando transamos pela primeira vez, acho que ele ficou um pouco assustado com minha técnica. Eu gostei de ver isso.
Aos poucos isso foi ficando chato e eu terminei com ele.
No mesmo dia, trancada no meu quarto, eu pensei que os relacionamentos não eram para mim. Esse pensamento me fez entender que talvez eu nunca me relacionasse seriamente com alguém.
Por mais que eu gostasse de ter sempre homens diferentes dentro de mim, isso me causou uma sensação incomoda.
Quando eu fiz 18 anos, decidi sair de casa.
Meus pais ficaram desesperados, diziam que era muito cedo, mas eu insisti que seria melhor.
Eu queria ter o meu próprio canto e já não queria mais receber meus clientes num hotel.
Meus pais acabaram cedendo e sem saber que eu tinha um bom dinheiro escondido, pagaram o aluguel e compraram alguns móveis.
Uma semana depois eu inventei que tinha conseguido um emprego e comecei a cuidar de mim mesma.
Um dia minha mãe apareceu na minha casa sem avisar.
Ela tinha brigado com o meu pai e foi falar comigo.
Quando ela bateu na porta eu estava com dois homens na cama.
Eu atendi e pedi que ela voltasse outra hora que eu estava com meu namorado.
Ela não gostou disso, mas saiu.
Num outro dia ela voltou e me ouviu gemendo.
Ficou parada no corredor sem saber o que fazer e foi embora.
Ela me ligou nessa noite dizendo que queria que eu fosse visitá-la.
Depois que conversamos um pouco ela disse que era pra eu levar meu namorado para conhecer a família e eu disse que havíamos terminado.
Até aquele momento eu não sabia que ela tinha escutado meus gemidos.
Talvez tenha sido isso que despertou a curiosidade dela.
Até que um dia ela resolver me vigiar.
Ela viu quando meu primeiro cliente entrou, viu quando saiu, viu quando entrou o segundo e o terceiro.
Quando ela me disse isso, eu fiquei sem saber o que dizer, mas sentindo-me dona de mim mesmo, acabei contando para ela.
Ela ficou transtornada, disse um monte de coisas, faltou me bater.
No outro dia ela foi até a minha casa com o meu pai.
Ela ainda não tinha dito nada pra ele e disse que era melhor que eu contasse.
Quando eu disse, meu pai enlouqueceu. Achei que ele fosse quebrar a casa toda, mas ele acabou se sentando e começou a chorar.
Eu estava pra completar 19 anos de idade e aquela era a primeira vez que eu via meu pai chorando.
Pra dizer a verdade, eu nunca tinha levado isso em consideração até agora. Meu pai sempre me pareceu tão firme, tão forte, inabalável. E pela segunda vez na minha vida, eu vi um homem demonstrando uma sensação que eu não soube traduzir, mas quis conhecer.
A tristeza nos olhos no meu pai era tão profunda!
Ele não conseguia me olhar nos olhos, parecia sofrer com a minha imagem e olhando para o chão, sem dizer mais nenhuma palavra e saiu e foi embora.
Minha mãe disse que ainda queria falar comigo, mas que era melhor ir com ele para evitar que algo de ruim acontecesse.

Uma hora depois que eles saíram, eu ainda estava sentada na sala quando um cliente chegou.
Me sentindo meio anestesiada com tudo aquilo, eu o recebi mais friamente do que de costume.
Na cama eu a mesma sensação que eu sempre sentia quando transava, mas desta vez eu fui capaz de compreender o que significava aquele vazio, aquela falta. Eu pude compreender o que era tirado de mim todas às vezes que alguém me invadia.
As coisas que minha mãe disse, o olhar do meu pai, o silêncio... tudo fez sentido e eu me senti suja!
Meu cliente saiu deixando o dinheiro no criado mudo, eu fiquei um pouco na cama olhando pela janela.
O cheiro de sexo invadiu os meus sentidos e uma ânsia tomou conta de mim.
Tirei os lençóis, os travesseiros e joguei tudo no chão.
Fui para o banho, mas mesmo me lavando intensamente eu ainda me sentia coberta de um odor que não era meu.
Meu telefone tocou, mas eu não atendi. Eu não me sentia capaz de receber outra pessoa.
Juntei as fronhas, os travesseiros, os lençóis, o tapete e o dinheiro, coloquei tudo dentro de um saco preto e joguei no lixo.
Tomei outro banho e junto com a água que escorria pelo meu corpo, um pouco do meu pranto saiu de mim.
Eu chorei por horas sem saber de qualquer motivo definido.
Via as imagens dos muitos rostos contorcidos de sensações que me encaravam enquanto me possuíam e me senti caindo num abismo profundo e solitário.
Acordei as quatro da manhã com o meu celular particular tocando.
Era minha mãe, preocupada, com a voz embargada dizendo querendo saber como eu estava.
Eu me senti tão injusta, tão medíocre... não sabia como mesmo depois de tudo ela ainda se preocupava comigo.
Falamos um pouco e eu disse que iria viajar para colocar alguns pensamentos em ordem.
Eu disse que não estava me sentindo muito bem com tudo aquilo e que era melhor eu me afastar de tudo por um tempo.
Ela incrivelmente concordou e disse que se eu fosse mesmo fazer aquilo que era pra eu ir deixando tudo para trás e me concentrar apenas em mim mesma.
Foi o que eu fiz. Levei apenas meus documentos, nenhuma roupa, nenhum objeto, nada.

Na França tudo é como eu imaginava.
As ruas parecem comportar uma magia que se alimenta de luz.
As pessoas são bonitas, bem vestidas e tudo parece ser mais tranquilo.
Mas na noite, qualquer lugar do mundo é do mesmo jeito.
Eu vi muitas mulheres paradas esperando para vender seus corpos.
Elas carregavam um olhar melancólico, pesado, quase envergonhado, mas quando um carro se aproximava, elas pareciam se transformar, ficavam felizes, receptivas. Eram profissionais!
Eu quis saber se eu também era assim, se minha fisionomia mudava, se meus olhos eram daquele jeito.
Entrei num bar e pedi uma taça de vinho.
Fiquei um tempo ali bebendo e observando as pessoas do lugar.
Pela vidraça ao meu lado, vi como as pessoas caminhavam pelas ruas parecendo não notar as mulheres estacionadas numa sombra qualquer. Mulheres invisíveis para o mundo, visíveis para os carentes. Eu era uma dessas mulheres!

Fiquei dois dias trancadas no meu quarto de hotel.
Na tv eu vi uma reportagem sobre a prostituição e sobre a preocupação do governo sobre o assunto. As prostitutas pareciam um câncer dentro da sociedade e eu achei isso injusto.
Na mesma reportagem, vi sobre um centro de reintegração social. Mesmo considerando isso um absurdo, a curiosidade me fez ir até lá.
Me sentei entre outras tantas mulheres que pareciam estar em duvida ou curiosas sobre os métodos daquele centro.
Parecia um grupo de alcoólicos anônimos, algumas mulheres contaram um pouco sobre suas vidas e no fim, uma senhora de idade – a organizadora da reunião – no disse que tínhamos apenas que pensar nos motivos que havia nos feito escolher aquela vida.
Eu sei que algumas são por necessidade, outras são vitimas de aliciadores, algumas pelo desejo, mas e eu? Por que eu havia entrado nesse mundo?
Eu sempre tive tudo, uma boa casa, boas roupas, boa educação. Uma família bem estruturada, unida, feliz. Havia algo de diferente em mim, eu sempre soube disso, mas o que?
Voltei pra casa depois de algumas semanas e trouxe comigo pensamentos que eu queria entender.
Por que o sexo era tão subestimado?
Por que eu achava que tudo era diversão ou negócio enquanto as pessoas achavam que era algo maior?
Tudo que eu sempre quis foi sentir.
Sentir um beijo como aquele.
Sentir-me desejada como aquela.
Sentir que estava no controle.
Sentir os prazeres...
Mas o que é que eu senti até hoje?
Eles nunca sorriram satisfeitos depois de um beijo.
Eu nunca os controlei. Eles vinham, me tinham e saiam.
Eu nunca quis parar, nunca quis fazer outras coisas, me envolver, ter um namorado, um marido, filhos...
Mas eu nunca soube o que queria de verdade!

Um cliente se apaixonou por mim uma vez.
Fez ofertas de uma vida melhor, dizia que eu não merecia ser o que era, que ele poderia cuidar de mim.
Eu achei engraçado ele pensar que eu precisava de cuidados e que não gostava do que fazia.
Os homens são assim, sempre se colocam como protetores quando se apaixonam.
Eu só não sei que fragilidade é essa que eles sempre enxergam nas mulheres.
Talvez seja algo que só eles sejam capazes de ver.
Eu disse que era melhor ele não vir mais, parei de atendê-lo.

Só me apaixonei uma vez, uma paixão que se tornou o amor da minha vida, mas que eu nunca conheci.
Às vezes eu ficava deitada na cama imaginando que um dia entraria alguém que me arrebataria, que me levaria para outro mundo. Eu imaginava tanto que era capaz até de descrevê-lo. Então entrava alguém que não era quem eu imaginava e tudo se dissolvia em pensamentos.
Aos poucos eu fui me tornando diferente e numa noite sonhei com esse meu amor, vindo até mim e me recusando por eu ser apenas uma fração que já fui.
Acordei apavorada por ver um olhar tão desapontado direcionado à mim.
Um olhar parecido com o do meu pai!
Talvez aquele seja o olhar de quem me ama e sabe de mim.

Por um tempo eu fiquei pensado que era egoísmo das pessoas querer todos nós sejamos iguais, com a mesma vida, as mesmas escolhas, os mesmos costumes. Não pode haver diferenças dentro de uma sociedade?
Depois eu compreendi que não à sociedade que eu pertenço em primeiro lugar e sim às pessoas que estão conectadas a mim por laços mais fortes.
E então eu compreendi o quão doloroso foi para a minha família saber que eu agia de modo tão diferente, tão renegado.
Eu não os quis sofrendo, sempre tentei se uma boa filha, ou ao menos me portar como boa filha. Tudo que fiz escondido foi também pensando em evitar que se frustrassem.
Mas nem tudo fica em segredo!

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